ARTIGO PUBLICADO: Agressividade em jogadores de futebol: estudo com atletas de equipes portuguesas 

Resumo 

A agressividade no desporto, a par da novidade, é objeto de alguma controvérsia explicativa em face das várias teorias que analisam este tema. Sendo um tema amplamente divulgado socialmente, é certo que não tem merecido suficiente tratamento por parte da investigação nas ciências sociais e humanas. O presente trabalho teve por objetivo recolher e analisar o comportamento agressivo de jogadores portugueses de futebol. Participaram no estudo 125 jogadores do escalão sênior, que pertenciam à 1a Liga do Campeonato de Portugal em 2000-2001 e 88 jogadores do escalão júnior das duas subdivisões (17 e 18 anos). Os jogadores do escalão sênior situavam-se na faixa etária entre 20 e 35 anos, enquanto os futebolistas do escalão júnior variavam entre 17 e 19 anos. Este estudo envolveu a aplicação do Bredemeier Athletic Aggression Inventory (BAAGI). Os resultados sugerem que os jogadores pertencentes ao escalão sênior apresentam índices superiores de agressividade reativa ou hostil, havendo uma avaliação estatisticamente representativa entre o número e o tipo de cartões (amarelos e vermelhos) recebidos pelo atleta e as suas auto-avaliações em termos de agressividade. 

Introdução 

É importante ressaltar a necessidade de investigações que envolvam a agressividade no esporte com a finalidade de analisar as dimensões e as suas condições de ocorrência. Com efeito, 

o comportamento agressivo no esporte é pouco compreendido; portanto, a realização de investigações qualitativas nas percepções da agressividade entre indivíduos de diferentes idades e níveis competitivos é indispensável se quisermos compreender esse fenômeno complexo. (Stephens, 1998, p. 289) 

Por outro lado, a existência de diferentes teorias e conceitos sobre o assunto (Matthews & Norris, 2002; Silva & Stevens, 2002) complica a investigação na área, por exemplo, confundindo-se com comportamento assertivo. 

Neste texto será adotada a visão de Bredemeier (1983). Em sua opinião, o comportamento agressivo no esporte é o início intencional do comportamento violento e prejudicial. “Violento” significa qualquer ofensa física, verbal ou não verbal, enquanto “comportamento para causar dano”, quer dizer, qualquer intenção ou ação prejudicial. (Bredemeier, 1983, p. 43) 

A autora acrescenta, ainda, que uma falta acidental ou lesão a outro atleta provocada pela falta de habilidade não será considerada agressão; uma falta intencional, ainda que não resulte em prejuízo ou lesão, é considerada uma agressão no esporte. Por sua vez, Gabler (1987, citado por Samulski, 2002) divide a agressão entre hostil ou reativa com instrumental. Enquanto a agressividade hostil ou reativa tem a intenção explícita de prejudicar ou lesar o adversário, a agressão instrumental traduz um comportamento que, muito embora possa envolver o dano ao adversário, teve como intuito alcançar as suas próprias metas (resultado positivo) ou impedir que outra pessoa alcance as suas metas (por exemplo, impedir um chute ao gol). Conforme complementa Geen (1998), a agressão instrumental, mesmo podendo envolver forte emocionalidade, é basicamente motivada por outros objetivos do próprio jogo que não o de prejudicar o outro. Se quisermos, enquanto a agressão instrumental no esporte se pode assumir como “benéfica” para o atleta para a equipe, a agressão hostil ou reativa não é saudável e pode ser prejudicial em todos os aspectos do esporte. Finaliza Bredemeier (2000) que a agressão instrumental pode ser necessária à competição. 

A análise da agressão no esporte, nas suas formas e interpretações, carece de enquadramento sociocultural e, sobretudo, de uma atenção à própria modalidade esportiva em estudo. A definição de um comportamento como agressão hostil ou reativa e instrumental depende do tipo de modalidade, das suas regras, da posição dos jogadores na equipe (ataque ou defesa) e da interpretação do observador. Segundo Samulski (2002), “(…) a maioria dos comportamentos agressivos no esporte e atividades físicas parece não ser inerentemente desejável ou indesejável, mas sim depender de uma interpretação” (p. 197). Kirker, Tenembaum c Mattson (2000), investigando que tipos de comportamentos conduzem ao ato agressivo com determinadas modalidades e quais as circunstâncias em que os jogadores apresentam maior probabilidade de aceitar e concordar com comportamentos agressivos, verificaram que, quanto à intensidade c à freqüência, a maioria dos atos agressivos é de natureza física, sendo a agressão instrumental mais freqüente que a agressão hostil. Por sua vez, Ryan, Williams e Wimer (1990) concluíram que conferir legitimidade a atos agressivos é mais frequente em jogadores de basquete do primeiro ano do que em jogadores experientes, contudo os seus resultados revelaram índices mais baixos de agressão nos atletas iniciantes que nos atletas mais experientes. 

O estudo realizado por Starcpravo e Mezzadri (2003) com o objetivo de analisar os aspectos da violência física, simbólica, a utilização de drogas e suas relações com a prática esportiva realizado com crianças de 10 a 14 anos praticantes de atividade esportiva indicou que as crianças e os adolescentes mantêm um certo controle das 

emoções e das expressões de violência física e simbólica fora da situação de jogo. No entanto, os dados mostraram que durante a prática esportiva é comum que elas se envolvam em situações de violência e até mesmo em agressões físicas. 

A agressividade no esporte, com particular no futebol, está associada a vários fatores. Samulski (2002) inclui, com tais fatores, a situação de visitado e visitante, o grau de importância do próprio jogo, o nível de rendimento dos jogadores, a posição da tarefa tática do jogador, o comportamento dos treinadores e dirigentes, e as regras da modalidade. Outro estudo revelou que a participação atlética dos jogadores de futebol e não atletas e o traço de ansiedade exercem um efeito significativo sobre a agressividade dos mesmos fora do esporte (Dogan, 2004). O papel do treinador tem sido mais sistematicamente estudado (Widmeyer, Steven, Dorsch, & Mc Guire, 2002; Kerr, 1999; Weinberg & Gould, 1995; Widmeyer, 1984). Muitos treinadores, na lógica dos melhores resultados, ordenam aos jogadores para que segurem a camiseta do adversário durante o jogo ou executem movimentos agressivos como “entrar de carrinho” na disputa pela bola. 

Leitão e Tubino (2002) explicam que algumas condutas técnicas e táticas agressivas no futebol como, por exemplo, os carrinhos, são aceitos pela modalidade. 

O carrinho no futebol, pode levar à violência dentro do campo, numa dimensão onde os segmentos envolvidos deveriam conscientizar-se das mudanças emergentes, do aprimoramento profissional das entidades envolvidas, que estariam relacionados ao embelezamento do jogo.

Para explicar esses fenômenos nos apropriamos da Teoria Cognitiva Social de Albert Bandura, partindo da ideia de que o comportamento humano decorre da interação entre o indivíduo e o meio ambiente. É uma perspectiva interacionista, na qual participam as variáveis sociais e pessoais, ou seja, os indivíduos operam tomando em consideração os comportamentos dos outros e as cognições que elaboram sobre os contextos. Mecanismos de auto-regulação podem, então, explicar o controle comportamental e a própria agressividade. As funções auto-reguladoras derivam da modelação e da instrução direta (Bandura, 1977). 

Os padrões morais são gradualmente internalizados, podendo levar ou não ao impedimento de comportamentos agressivos, consoante a aprovação ou reprovação percepcionada nos outros, em particular os “outros” significativos modelos como: stains ou grande valor social (Bandura, 1991).

No esporte, a agressividade de um atleta pode ser relacionada e mais facilmente aceita quando a mesma assume uma função utilitária ao grupo. Algum desengajamento moral por parte dos atletas decorre da agressividade em jogadores de futebol: estudo com atletas de equipes portuguesas difusão pelo grupo da responsabilidade das suas ações (Bandura, 2002). As ações coletivas favorecem o comportamento agressivo e, como resultado, enfraquecem o controle moral. As pessoas agem mais cruelmente sob a responsabilidade de um grupo do que quando assumem a responsabilidade só para si mesmas (Bandura e cols., 1975; Zimbardo, 1995), Nesse ponto, podemos pensar que os atletas de modalidades coletivas podem ter uma tendência para um maior número de comportamentos agressivos do que os praticantes de modalidades individuais. Vendo pela perspectiva de que a interação com os fatores ambientais atuam na desativação (ou ativação) dos controles internos a modalidade coletiva e o ambiente podem ser condições facilitadoras da manifestação do comportamento agressivo. É claro que não podemos deixar de citar que as regras de cada modalidade interferem nesse contexto. Na realidade, “o desenvolvimento moral pró-social é visto como produto da interação entre forças sociais e capacidades cognitivas dos indivíduos” (Koller & Bernardes, 1997, p. 227). É importante que as regras de cada modalidade e o próprio social forneçam o comportamento de envolvimento moral, renunciando a atos cruéis e agressivos. 

Com o presente estudo pretendemos recolher e analisar dados sobre o comportamento agressivo dos jogadores da modalidade futebol dos escalões sênior e júnior de Portugal. Em relação a objetivos mais específicos, podemos afirmar que ao realizar a presente investigação pretendíamos comparar índices de agressividade nos escalões juniores e seniores, e avançar com outros cruzamentos de variáveis a propósito das características destes atletas, nomeadamente o número e tipo de cartões recebidos ao longo da temporada futebolística. 

Sujeitos 

Método 

Foram selecionados, para este estudo, sete clubes das 18 equipes de futebol do escalão sênior. Os clubes dos jogadores seniores participaram na 1a Divisão do Campeonato de Portugal realizado no período 2000- 2001, ou seja, equipes pertencentes à 1a Liga. A amostra inclui ainda um clube que pertencia à 2a Liga, para além de cinco equipes do escalão júnior das duas subdivisões (17 e 18) de aproximadamente 35 equipes. Do escalão júnior participaram 88 jogadores (41%) e do escalão sênior 125 jogadores (59%). Todos estes atletas são do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 17 c 35 anos (M=22,8 anos; DP=5,1 anos) havendo maior concentração nos 17 e 18 anos, e na faixa etária entre os 23 e 28 anos. Os jogadores do escalão júnior são significativamente mais novos que os do escalão sênior, como seria de esperar. 

Instrumentos 

A todos os jogadores deste estudo foi aplicada uma versão traduzida e adaptada do Bredemeier Athletic Aggression Inventory (BAAGI). Este instrumento foi desenvolvido por Bredemeier (1975), com o objetivo de avaliar a agressão hostil ou reativa, a agressão instrumental e a agressão atlética geral no contexto esportivo. A escala é composta por 30 itens (14 itens para a escala hostil ou reativa, 14 itens para a escala instrumental e 2 itens para a escala agressão atlética), com quatro alternativas de resposta, do tipo Likert, pontuadas de um a quatro (1= concordo totalmente, até 4 discordo totalmente). Aquando da administração do BAAGI foi também aplicado um questionário informativo, constituído por questões abertas e semi-abertas referentes ao atleta. Tais questões referiam-se a idade, clube, grau de escolaridade, posição no campo, escalão e categoria a que o jogador pertencia, anos de prática e número de cartões recebidos. 

Procedimentos 

Após a autorização da autora, o instrumento Bredemeier Athletic Aggression Inventory (BAAGI) foi traduzido do inglês para o português. Em seguida, procedeu-se à análise da compreensão dos itens pelo método da “reflexão falada”. Adequando a linguagem usada nos itens, procedeu-se à aplicação do questionário. Esta aplicação ocorreu na saída dos treinos em contexto de grupo, pela primeira investigadora ou por estagiários de Psicologia do Esporte. Os instrumentos foram distribuídos a cada futebolista com uma pequena introdução, explicando os objetivos do estudo e sigilo das respostas, além da disponibilidade do aplicador para o esclarecimento de eventuais dúvidas.

AUTORES:

Luciana de Castro Bidutte é psicóloga, mestre em Psicologia do Esporte pela Universidade do Minho (Portugal) e professora no ensino superior nas Faculdades Integradas de Amparo – FIA. 

Roberta Gurgel Azzi é psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo e doutora pela Faculdade de Educação da Unicamp. É professora da Faculdade de Educação da Unicamp e membro do grupo de pesquisa Psicologia e Educação Superior naquela instituição. Atua em cursos de graduação e pós-graduação. 

José Jacinto Vasconcelos Raposo é psicólogo e antropólogo, mestre em Psicologia pela Universidade de Boston (EUA) e doutor em Ciências do Esporte na especialidade de Psicologia do Esporte, pela Universidade de Trás-os- Montes e Alto Douro (UTAD). É professor catedrático na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, atuando na formação graduada e pós-graduada na área da saúde, educacional e na psicologia do esporte. 

Leandro S. Almeida é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia da Educação pela Universidade do Porto. É professor catedrático do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho, atuando na formação graduada e pós-graduada de psicólogos e professores. 

Psico-USF, . 10, n. 2, p. 179-184, jul./ dez 2005

REFERÊNCIAS

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Recebido em setembro de 2004 Reformulado em agosto de 2005 Aprovado em outubro de 2005